ENTREVISTA ESPECIAL :    Leila Pinheiro

A intérprete da boa música brasileira

Bastante versátil e afinada, Leila Pinheiro representa o que há de melhor na música hoje me dia

 

Leila Pinheiro: Talento à serviço da MPB

Leila pinheiro dispensa apresentações. Considerada uma das maiores intérpretes da Bossa Nova, chegou a abandonar o Curso de Medicina, onde estava no segundo ano, para tentar a sorte na música. E foi a música quem ganhou com isso. Apesar do pouco espaço dado pela mídia à bossa nova atualmente, Leila continua com um sucesso inabalável.   Afinadíssima, respeitada pelos músicos com quem toca, a cantora continua fazendo shows e gravando discos em que afirmou sua qualidade de intérprete precisa e sensível da boa música brasileira.

A história de Leila Pinheiro é bonita para ser contada. Ela começou a estudar piano aos 10 anos no Instituto de Iniciação Musical, em Belém, sua cidade natal. Aos 20 desistiu da faculdade de medicina, como já haviamos mencionado acima e estreou como cantora no show "Sinal de Partida", mudando-se no ano seguinte para o Rio de Janeiro, onde grava seu primeiro disco, o independente "Leila Pinheiro" (1983). Dois anos depois, ganhou o prêmio revelação no Festival dos Festivais, da TV Globo, em que defendeu a composição "Verde", de Eduardo Gudin e José Carlos Costa Netto. Em 1987 assinou contrato com a Polygram e gravou o disco "Olho Nu", que a leva ao Japão, onde ganha um prêmio de melhor intérprete no Festival Mundial Yamaha.

Colecionando prêmios, gravou mais dois discos, inclusive "Bênção, Bossa Nova", um CD comemorativo dos 30 anos da bossa nova produzido por Roberto Menescal para o mercado japonês, que fez grande sucesso tanto no Japão quanto no Brasil. A partir daí, Leila passou a ser conhecida como intérprete de bossa nova, rótulo que foi reforçado com o CD "Isso É Bossa Nova", de 1994. Dois anos depois gravou um disco completamente diferente, "Catavento e Girassol", exclusivamente com composições da dupla Guinga e Aldir Blanc. No final dos anos 90 fez shows com Ivan Lins nos Estados Unidos e participou do tributo a Tom Jobim realizado no Carnegie Hall, de Nova York. Lançou também um disco só de compositores contemporâneos, "Na Ponta da Língua", que a levou em turnês pelo Brasil em 1999 e 2000. Ainda em 2000 entrou em estúdio e gravou "Reencontro", CD com repertório de Gonzaguinha e Ivan Lins. Também participou de projetos especiais, como o "Tributo a Tom Jobim" (lançado pelo Som Livre) e a "Sinfonia do Rio de Janeiro", de Francis Hime.

Bastante versátil, Leila Pinheiro lançou em 2001 seu mais recente CD, o décimo-primeiro dessa carreira vitoriosa, intitulado Mais Coisas do Brasil. Trata-se do primeiro ao vivo da cantora. A bela voz de Leila leva os seus fãs a um passeio pelo que há de melhor na música brasileira. Sucessos de Flávio Venturini, Lulu Santos, Guilherme Arantes, Renato Russo, Gonzaguinha,  e muitos outros fazem parte desse CD, lançado pela Universal.

Fizemos essa entrevista com Leila Pinheiro para mostrar a todos um exemplo de cantora que deve ser seguida e seus ricos trabalhos recheados de qualidade harmônica. Confira essa entrevista, abaixo, na íntegra!

Site: http://www.leilapinheiro.com.br

Marcus Vinicius Jacobson

Reportagem

Entrevista publicada no dia 04/11/2003

1) Aos 20 anos você desistiu da faculdade de medicina para entrar de corpo e alma na música.Quando você sentiu que a música era o caminho certo a seguir ?

Perto do final do segundo ano da faculdade. Eu já estava estudando sem tesão, como que me preparando pra ir embora. Aí o Guilherme Coutinho, músico paraense amigo meu, me perguntou até quando eu ia insistir na idéia de ser médica. Dois dias depois, no meio de uma aula de fisiologia, eu fechei os cadernos, desci pra trancar a matrícula e já comecei a pensar no meu primeiro show - Sinal de Partida. Seis meses depois eu já estava morando no Rio, começando a entender o que era viver pra música, viver de música.

Leila relembrando os 23 anos de um carreira vitoriosa

2) Qual avaliação que você faz desses 23 anos de uma carreira marcada por várias conquistas?

Não foi fácil sair da casa dos meus pais, sair de Belém, deixar amigos, família, conforto, facilidades e vir morar sozinha numa cidade como o Rio de Janeiro. Fui à luta desde o primeiro minuto, encarando síndrome do pânico, solidão, medo e muita insegurança. Mas posso dizer sem nenhuma dúvida: faria tudo de novo. Nada foi fácil, não tive nenhum grande apoio, nenhuma grande facilidade. Tudo é e sempre foi muito batalhado, suado, conquistado mesmo, palmo a palmo, passo a passo, diariamente. Fiz 43 anos agora dia 16 de outubro e posso afirmar com toda a certeza, que me sinto muito feliz com a opção que fiz. Cantar e tocar são os meus grandes prazeres na vida - o que realmente dá sentido à minha vida.

3) Como você se sente vendo a bossa nova praticamente extinta da programação dos principais veículos do Brasil ao passo que a música descartável bastante executada ?

A ditadura do jabá parece cada vez mais fortalecida. Toca nas rádios o que se paga pra tocar. Não imagino, portanto, nenhuma grande gravadora pagando pra tocar bossa nova. Em 89 quando lancei meu “Bênção Bossa Nova”, ainda havia muito espaço pra boa música e pra bossa espontaneamente nas rádios, nos palcos, no Brasil. Hoje, com raras e gratíssimas exceções, você pode ouvir um João Gilberto, um Jobim, na Rádio Mec, na MPB FM... e em poucas e especiais rádios por esse Brasil a fora. Mas essa música não toca nas rádios populares, as tais rádios-link, onde se avalia o que é sucesso e o que não é. Acho absolutamente injusta e obscena essa realidade.

4) Qual sua maior conquista e a maior decepção dentro da música ?

As conquistas, como eu disse, são diárias. Poder conhecer o mundo levando minha música, meu canto, para os quatro cantos do planeta, é sem dúvida, uma alegria e uma enorme conquista. Poder ir cantar e tocar em Tóquio, em Jerusalém, em Mossoró, Madri ou no Carnegie Hall em Nova Iorque, e emocionar igualmente as pessoas, sintonizar com elas através da música, isso é um presente de Deus. As decepções eu tento transformar em lições, em aprendizado, já que fazem parte da vida, são inevitáveis. Trato de diluir as dores na imensidão de coisas boas que acontecem, pra que elas não fiquem muito grandes e ocupem um espaço precioso dentro de mim.

5) Fale pra gente um pouco mais sobre seu último CD, intitulado Mais coisas do Brasil.

O Mais Coisas do Brasil foi meu primeiro CD ao vivo. Achei bacana a experiência mas não gostaria de repeti-la tão cedo, já que o processo de gravação normal, em estúdio, é muito mais rico e é o que me traduz verdadeiramente. Aceitei a idéia da Universal (gravadora), até porque em 22 anos de carreira eu nunca tinha gravado neste formato. Regravei neste CD alguns grandes sucessos meus nestes 22 anos, atualizei estas canções, cercada de grandes músicos, amigos de muitos anos. A vendagem expressiva do CD e principalmente do DVD Mais Coisas do Brasil me diz que foi um acerto este trabalho. Mas gostaria mesmo é de ter gravado os compositores novos, as músicas inéditas, que há anos seleciono, ofereço e as gravadoras rejeitam.

6) E o novo álbum, já começou a ser pensado, produzido ou ainda não tem previsão de ser lançado?

Não é novidade o furacão que abate a indústria fonográfica mundial. Como artista contratada de uma multinacional - a gravadora Universal Music - sofro todas as conseqüências desta crise. Desde o começo de 2003 venho conversando com a gravadora sobre meu próximo disco, e só há uns dois meses entramos num acordo sobre mais um projeto, distante léguas do que tenho sugerido. Este mês de outubro já começou com o adiamento da gravação e lançamento deste novo disco ainda este ano, e assim é também para todos os artistas da Universal, exceção óbvia de Sandy e Júnior, e por acaso, mestre Zeca Pagodinho. Grandes artistas, colegas meus, estão sem gravadora, sem trabalho e isso é assustador. A hora é de muita expectativa e de grandes desafios, sendo o mais importante deles, descobrirmos todos, nós, artistas, caminhos próprios, outros, inteligentes, criativos, realistas, para chegarmos até nosso público, cantando e tocando o que de verdade queremos. O formato antigo de relação artista-gravadora, creio eu, faliu no mundo, acabou. A Internet, a pirataria e a ganância generalizada viraram de ponta-cabeça o comércio da música no mundo. Não tenho idéia do que virá por aí.

A cantora e sua boa performance nos palcos

7) Você ficou conhecida como a intérprete da bossa nova depois dos seus belos discos lançados sobre o gênero. Esse rótulo, em algum momento te atrapalha?

Não atrapalha, mas limita. A bossa, pra mim, são umas 50 maravilhosas canções e os gênios todos que as produziram. A batida da bossa, criada pelo João Gilberto, sua leveza, suavidade, é que pode se espraiar por quaisquer canções, facilitando a audição dessas canções, já que essa batida, essa levada, é de extrema beleza. Mas a bossa-nova mesmo, são algumas canções. Por causa do meu CD Bênção Bossa Nova, lançado em 89, fiquei conhecida aqui no Brasil e principalmente no Japão, como cantora de bossa nova, muito também por causa da morte de Nara Leão, ela sim, ícone máximo desse gênero no mundo. O Menescal diz que as 200 mil cópias vendidas do Bênção, são um marco único na história da bossa nova. Fizemos juntos dois anos seguidos de turnê pelo Brasil, com banda de 7 músicos...começou com este CD minha carreira no Japão, a bossa voltou a tocar nas rádios do Brasil, os shows estavam sempre lotados, João Gilberto voltou a gravar depois de anos sem disco, Rita Lee lançou Bossa´n Roll, Tim Maia gravou bossa-nova, enfim...tudo junto em 89, 90, um pouco de 91...Tudo parecia vir naturalmente a partir do sucesso do Bênção Bossa Nova, gravado inicialmente só pro Japão. Mas na verdade a bossa nova na minha carreira são apenas 2 dos meus 11 discos em 22 anos de carreira. Ser associada à bossa é uma maravilha, mas gosto mesmo é de ser lembrada como a intérprete da boa música brasileira.

8) Você é uma artista que foi lançada por um festival nacional de música, que hoje quase não existe mais. Qual a importância desse tipo de evento para a música brasileira?

Há de ser pensado um novo modelo de competição musical, principalmente se for feito para a televisão. O grande erro é se oferecer música pela TV, de olho no ponteiro do ibope, como se fosse um Big Brother Musical. Que se invente um novo formato, um meio de levar música pro povo, numa competição, mas pensando na música e não apenas no espetáculo. Os grandes festivais da Record, por exemplo, lançaram músicas e artistas daqueles quilates, porque ainda era a música a dona da festa. O ganhador do último grande festival na Globo, recebeu o prêmio pedindo desculpas ao público e prometendo compor a partir dali, uma música de verdade. Lamentável! Tudo bem, meu bem levou uma grana boa, ficou horas no ar, num festival que desclassificou Sérgio Santos, Walter Franco, Simone Guimarães e tantos outros grandes artistas. Alguém sabe cantar ou se lembra de “Tudo bem, meu bem”? Cadê o compositor? Acredito que o Festival dos Festivais, em 85, onde cantei a música Verde, de Eduardo Gudin e Costa Netto, mesmo sem ter sido também um grande festival, foi o último que eternizou canções e no mínimo, ajudou minha carreira a deslanchar, me levando a assinar meu primeiro contrato com uma gravadora (Polygram). Pra mim, o festival foi fundamental, mas musicalmente já estava muito aquém do que se produz de música boa no Brasil. Recentemente fui juri da final do Prêmio Visa de Música para intérpretes. A Orquestra Jazz Sinfônica no palco do Credicard Music Hall, antigo Palace, em São Paulo, pra acompanhar todos os concorrentes: um punhado de grandes músicos, intérpretes, arranjadores, cantando e tocando música brasileira da maior qualidade. Renato Braz ganhou o Prêmio, gravou um novo CD e levou um bom dinheiro pra casa. Uma maravilha! Este ano participei tocando e cantando, de uma eliminatória do mesmo Prêmio Visa, para compositores. Fui defender uma canção de Lourdes Ábido, excelente compositora, poeta e violonista carioca, absolutamente desconhecida. O nível dos concorrentes é sempre alto e o Prêmio é bastante criterioso. É um festival de música? Sim, mas não se destina prioritariamente à televisão. O mais importante ali é a música, a arte, os artistas. Passar na TV é conseqüência e não um fim. Aí dá certo, mas só uma pequena porção deste nosso Brasil continental sabe que este maravilhoso Prêmio existe. Não é fácil!

Leila analisa o momento de hoje e manda seu recado final

9) Hoje em dia muitos artistas, com o intuito de promover seus discos,se submetem a verdadeiras aberrações em alguns programas de TV. Com a experiência que você tem na carreira, em algum momento se submeteria e esse tipo de coisa para vender discos? Qual critério que você usa pra divulgação?

Nunca ninguém me propôs nada nessa direção. Quando havia bons programas de TV pra divulgar o CD, a gravadora oferecia uma lista com várias opções e eu fazia o que gostava, pensando sempre em alcançar o meu público e ampliá-lo. Mas já cantei em alguns programas de auditório em que tive absoluta certeza de que ninguém ali ao menos sabia o meu nome, o público que assistia àquele programa também não me conhecia e certamente não gostava do que eu estava cantando, enfim, mas nunca nenhuma aberração... Acho um engano se pensar que qualquer forma de aparecer, de se estar na TV, vale a pena. Sou bastante cuidadosa e criteriosa com a divulgação dos meus discos, da minha carreira, como sou com tudo que faço. É a minha vida, é o meu trabalho, preciosos pra mim.

10) Deixe um recado final pra todos os admiradores de seu trabalho que estão espalhados não só pelo Brasil, mas como também por outros países.

O mar não tá pra peixe já há algum tempo, e isso a gente já percebeu. Então o bacana mesmo é não dispersar, não se distanciar do foco, do desejo real, da essência. Cuidar da cabeça e do corpo, não alimentar o stress pessoal e geral e ir em frente, sempre em frente, como dizia Renato Russo. Saúde, sorte, obrigada pelo carinho, um beijo e até sempre! Leila Pinheiro

VOLTAR | ATUALIZAR | AVANÇAR