ENTREVISTA ESPECIAL : Edvaldo Santana

Da periferia para os palcos da música brasileira

Edvaldo Santana relembra sua trajetória através do subúrbio paulistano e mostra que o sucesso não veio por acaso

Edvaldo Santana é o cara. Nascido e criado em São Miguel Paulista, periferia de São Paulo, Edvaldo é um dos artistas mais versáteis da música brasileira. Dono de uma carreira extensa, o cantor e compositor integrou o Movimento Popular de Arte (MPA), coletivo que reunia poetas, músicos e artistas plásticos da nova geração paulistana.  Seus primeiros acordes no velho violão do pai aconteceram  no final da década de 60. A partir daí, uma sucessão de conquistas começou a adentrar em sua vida e fez dele um dos nomes mais requisitados do cenário musical. Como prova de sua veia artística, Edvaldo participou intensamente de vários festivais estudantis e criou, em meados da década de 70, seu primeiro grupo, Caaxió, que logo mudaria o nome para Matéria Prima. Foi a partir de 1976, que seu nome começou a aparecer para o grande público paulista ao lançar seu primeiro LP, Matéria-prima, pela gravadora Chanteclair.

Com o acúmulo de funções burocráticas, causando desgastes no relacionamento e as divergências naturais que qualquer grupo tem, Edvaldo teve que deixar o Matéria Prima em 1986 para pensar e criar uma nova perspectiva de vida dando início a carreira solo no Rio de Janeiro. Foram 10 anos de intensas realizações e aprendizados que contribuíram para seu aprimoramento profissional. A partir dessa mudança, começou a conviver com Cazuza, Luis Melodia e Ferreira Gullar, onde aprendeu muito.

De volta a São Paulo, lançou, pela gravadora Camerati, seu primeiro disco solo em 1993, Lobo Solitário. Deste disco, destacaram-se duas composições suas que fizeram razoável sucesso, entre elas, A Rússia pegou fogo na Sapucaí e Sabonete. Com o estouro, pensou-se em mais um trabalho. E ele veio a ser lançado em 1995, através da gravadora Velas, com o CD Tá assustado?. Depois disso, muitas coletâneas e projetos fizeram parte da vida de Edvaldo Santana. Isso sem falar em suas composições que se destcaram na voz de outros artistas do meio.

Em 1999, outro CD foi lançado. Dessa vez pela gravadora Tom Brasil. O trabalho, que leva seu próprio nome, prestou homenagem ao guitarrista porto-riquenho Carlos Santana na música Mestiça e ainda contou com as participações especiais de Bocato e a cantora Titane. Constam, também, neste mesmo álbum, composições suas em parceria com Arnaldo Antunes, Paulo Leminski, Itamar Assumpção e com seu pai, já falecido, Félix de Santana Braga. Ainda sobre esse mesmo disco, vale destacar a apresentação feita por Tom Zé e a capa produzida pelo artista gráfico Elifas Andreato.

No ano de 2003 Edvaldo aparece com o CD Amor de periferia, do qual participaram Lenine na faixa O jogador, Zélia Duncan em Desse fruto, o Quinteto em Branco e Preto em Batelaje, Nuno Mindelis em Guilhotina e o cubano Yaniel Matos tocando piano nas faixas Choro de outono e Cantora de cabaré. Mas Edvaldo pensava em outros vôos. Em 2004, por exemplo, iniciou o processo de criação do novo álbum,Reserva de Alegria, influenciado pela cultura dos negros,dos caipiras e de sua formação urbana na periferia de São Paulo, sem deixar de lado a cultura de seus ancestrais nordestinos. O novo CD, quinto de sua carreira, foi lançado, então, em 2006.

O ultimo trabalho de Edvaldo Santana foi em 2009, quando lançou um álbum ao vivo e independente na qual faz uma releitura de toda sua vida com as principais canções que elevaram a carreira do cantor. Atualmente, Edvaldo continua com força total e acaba de lançar seu mais recente álbum: Jataí. Para falar um pouco mais sobre ele e outros fatos entrevistamos o próprio cantor. Confira na íntegra esse bate-papo !

Site:

http://www.edvaldosantana.com.br

 

Marcus Vinicius Jacobson

Reportagem

Entrevista publicada no dia 04/08/2011

1) Qual o balanço que voce faz de sua carreira até aqui ?

Me sinto privilegiado em ter a oportunidade de potencializar os dons que me foram doados. Poder viver da arte fazendo o que gosto dizendo o que penso e buscando novas possibilidades de alquimias entre as variadas ramificações da música produzida pelo mundo, acredito que seja uma dádiva. Vivo aberto para o aprendizado constante, estou atento aos sinais que recebo e nos momentos mais complicados tive a coragem e a ousadia de levantar a poeira e sair para conhecer manifestações artísticas oriundas de outros espaços, sempre procurando a originalidade das idéias, por isso acabei cruzando artistas que contribuíram para a minha formação como Tom Zé, Paulo Leminski, Haroldo de Campos, Lenine, Arnaldo Antunes. Portanto o balanço que faço do desenvolvimento da obra é bastante significativo.

2) Você fez parte da banda Matéria Prima que teve grande repercussão no passado. Conte-nos pra gente o que representou aquele momentm sua vida.

Antes do Matéria eu cantava nas escolas, igrejas, nas casas dos vizinhos e com outros amigos Osnofa, Fernando Teles, Zulu de Arrebatá, Tiziu, fundamos o grupo Caaxió para participar de festivais estudantis. Estávamos vivendo em plena ditadura militar e fomos convidados por Luiz Carlos Arutin para apresentar o trabalho num dos templos de resistencia da cultura brasileira, que era o "Teatro de Arena" no centro de São Paulo. Daí teve inicio a nossa peregrinação em busca da gravação do primeiro álbum, a maioria dos produtores não gostavam do nome do grupo e tivemos que mudar para Matéria Prima banda que durou 10 anos de muita alegria, criatividade e prazer, foi uma vivência necessária e estimuladora para a busca do aprimoramento estético do trabalho como compositor e cantor. Com o acúmulo de funções burocráticas, causando desgastes no relacionamento e as divergencias naturais que qualquer grupo tem, chegou o momento de partir e fui parar no Rio de Janeiro em meados de 1986, onde comecei a pensar e criar uma nova perspectiva de vida dando inicio a carreira solo.

3) Atualmente, o mercado está dando espaço apenas a alguns estilos musicais que interessam à midia e esquecendo os artistas do passado. Como você reage diante disso ?

Não posso me sentir culpado,por não estar catalogado nesse ou naquele estilo, sou um cara criado ouvindo de tudo, desde do choro que meu pai tocava em casa, aos programas de rádio e de televisão onde a diversidade da musica estava presente com muita força na minha infância - adolescencia. Tive sempre como referencia os artistas inventivos que saíam do lugar comum: de Noel Rosa as experiencias tropicalistas; dos cantadores de embolada que minha mãe gostava, a guitarra incendiaria do negro Jimmi Hendrix, do suingue diferenciado de Jorge Benjor aos maravilhosos cantores de boleros, sambas cançoes como Altemar Dutra, Nelson Gonçalves que rolavam nos toca discos das mulheres que ofertavam seus corpos na Vila Nitro Operário. Essa fragmentação de informações serviu tanto como um painel em quadrinhos estimulando a minha inquietação, como também serviu como mola motivadora para ir em busca da coragem necessária exigida pela vida, para poder andar por aí desencanado, cantando apenas o que me toca. A arte tem sua dinâmica própria e se eu tenho a possibilidade de contribuir com as experiências que provoco, não me interessa ficar estático dormindo em cima de uma efêmera fama assim como não me estimula criar me baseando nas regras e leis do mercado.

4) Você é um dos fundadores do MPA, Movimento Popular de arte. Fale pra gente da importância desse movimento.

Pois é o MPA nasce perto do processo de abertura política que o país vivia e antes mesmo de ter nome já havia no bairro de São Miguel Paulista, artistas que espontaneamente se encontravam nos bares e nas ruas , para expressar, cantar e demonstrar o descontentamento com a industria cultural. Eu já havia gravado dois discos com o Matéria Prima e comecei a cruzar com Akira Yamasaki, Sacha Arcanjo, Raberuan, Pedro Peres, Severino do Ramo, Nelson Mouriz, Cláudio Gomes e acredito que aquelas reuniões despretensiosas nas madrugadas São Miguelinas foram de uma certa forma muito importantes para a criação do MPA. Naquele momento os movimentos populares começavam a se organizar nos sindicatos, favelas, comunidades de base e proporcionavam novos debates para a periferia e paralelamente a esses nossos encontros noturnos, dois antropólogos estavam fazendo uma pesquisa de campo em São Miguel cujo objetivo era mapear a produção artística para ocupação de espaços com conteúdo histórico como é o caso da capela de 1622 construída pelos índios um símbolo culturtal importante no bairro. Foi realizada uma mostra na capela onde boa parte da produção cultural estava presente, nas exposições de artes plásticas, na poesia de varal nas apresentações de dança, teatro, música, com a participação do público que lotava as dependências da capela durante as atividades. Com o êxito proporcionado pela mostra, onde ficou evidente que a arte tem um papel fundamental na formação cultural das pessoas que nunca tiveram a possibildade de acessos aos bens e espaços culturais da cidade, foi criado em 1978 o Movimento Popular de Arte-MPA- com o objetivo de proporcionar cultura e lazer para a população da periferia , assim como potencializar novos artistas, produtores culturais e formadores de opinião pública.

5) Você é um artista que cresceu nas periferias. Qual foi a importância dela para sua vida ?

A cultura popular não nasce nos palácios e mansões isso é desde os tempos do escambo. Eu me sinto bem com as pessoas mais solidárias, alegres, festivas que apesar de todas dificuldades materiais encontra espaço no coração e na mente para amar e respeitar o semelhante e essas pessoas na maioria estão nas periferias. É claro que ela sempre foi ultrajada pelos deslumbrados pelo poder e de vez em quando se transformou em curral eleitoral de oportunistas de plantão. Mas sua arte deu o troco trazendo como presente para o mundo artistas com os farois da criatividade acesos como, “Cartola, Bob Marley, Robert Jonhson, Pixinguinha, Charlíe Parker, Jacson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, João do Vale” que com sabedoria popular criaram atmosferas favoráveis para a nossa sobrevivência. São Miguel onde nasci e fui criado para mim é o berço de tudo, lá aprendi a respeitar a comunidade. Foi lá que aprendi a escrever com a Literatura de Cordel, onde aprendi a cantar e tocar com a alma dos negros e com o ouvido e a sapiência dos indios. A mim não interessa o que dizem os semeadores da barbarie e sim a essência da camaradagem e da lealdade que as pessoas me ensinaram com paciência e alegria. A periferia sempre foi desprezada desde quando era subúrbio a diferença é que hoje através de suas próprias lutas, dores e alegrias, está aprendendo a ser agente de seus próprios sentimentos, vivendo um momento de ruptura onde a população excluída começa a vislumbrar a possibilidade de ter acesso aos bens culturais por ela criados passando a perceber e a agir como elemento necessário para um melhor entendimento da história contemporânea do Brasil.

6) Hoje você é um artista independente. Como você se encontrou nesse mercado ?

No momento gravadoras não tem a importância que tinha há anos atrás, mas em parceria com a mídia continuam dominando os espaços de escoamento da produção cultural, divulgando apenas o que interessa aos negócios sem se dar conta de que está criando um abismo enorme entre arte e consumo. A tecnologia está possibilitando aos criadores o acesso direto as ferramentas de produção e de difusão, acredito que com o tempo vá trazer benefícios para o artista e para o público. Um álbum independente é gravado com poucos recursos, não tem ainda a visibilidade merecida, porém o artista não precisa se submeter ao jugo de predadores que vêem a música apenas como um negócio superficial. Prefiro gravar e produzir o meu trabalho com liberdade de criação, onde exponha meus sentimentos com franqueza e minha capacidade artística esteja totalmente dedicada para esse fim. Respeitando sempre, ligado nas idéias que possam me encantar, sem deixar de ouvir a opinião de produtores, músicos, técnicos e artistas que estejam envolvidos no mundo da arte.

7) Fale pra gente um pouco sobre o novo álbum que você está prestes a lançar.

Está saindo do forno um novo álbum chamado Jataí de músicas e letras inéditas compostas por mim nos últimos dois anos. Esse é o sétimo disco da carreira solo e tive o apoio novamente na co-produção do amigo e guitarrista paulistano Luiz Waack. Nesse trabalho procuramos trazer para o ouvinte o som mais natural possível, deixando de lado as perfumarias como a reverberação longa, aproximando a execução instrumental e as vozes da simplicidade dos sons, encurtando distancias entre o som e o ouvido, na maioria das vezes abrindo mão do aparato tecnológico usado nas gravações atuais. Em algumas canções prevalecem o sentimento semi- acústico do banjo da gaita e do violão, as notas sutis da guitarra enquanto em outras músicas fica evidente os timbres das congas a voz grave e o suingue do baixo. Continuo criando alquimias entre os ritmos, melodias e harmonias, trazendo o blues para o mambo e o baião, o xote para o reggae e para o Rock, o samba para a morna e para toada caipira. Em algumas músicas faço homenagens a amigos importantes como em Ai Joe que criei para Waldir Aguiar produtor falecido ano passado, Seu Ico onde falo de um tocador de violão caipira de oitenta anos que produzi e com quem aprendi muito no interior de São Paulo. Ainda no campo das homenagens convidei a Fabiana Cozza pra cantar comigo Eva Maria dos Anjos que compus para minha vó do Piauí e que teve também a participação especial de Simone Julian tocando flauta. Temos contribuições vigorosas dos músicos Ricardo Garcia na percussão, Reinaldo Chulapa no baixo elétrico, Luiz Waack que além de co-produzir, tocou vários instrumentos de cordas. Os pianos foram tocados por Adriano Magôo e Daniel Szafran e brilharam nas músicas “Amor é de Graça” e em “Você Pode fazer”. As gaitas de Bene Chiréia são ouvidas em “Quando Deus quer até o Diabo ajuda” “Há muitas Luas”, “Poda da Rosa” e a sanfona jazzística de Antonio Bombarda se faz presente em “Jataí” música que dá título ao disco. Como presente latino tivemos a participação do baixista argentino Mintcho Garramone e da paulicéia o som de Paulo Le Petit no baixo e Marco da Costa na bateria de “Nada no Mundo é Igual” , canção onde me aproximo de Tom Waits. No country blues “Sem Cobiça” tem a batida precisa do também paulistano Kuki Stolarski . A capa é uma criação do Elifas Andreato sobre a Jataí, uma espécie de abelha que não tem ferrão e possui no mel que produz além do sabor especial , varias propriedades medicinais de cura

08) Como você avalia o momento atual da música brasileira ?

A música brasileira continua cada vez mais interessante e antropofágica, sua diversidade rítmica, sua sofisticação harmônica e sua capacidade de assimilar manifestaçôes estéticas diversas faz dela oxigênio necessário para todo o planeta. Há de certa forma por parte de quem divulga e tem os meios de se comunicar nas mãos, uma falta de respeito para com um símbolo cultural, tão especial. Penso que a queda do ensino público e o controle da comunicação fatores exercidos durante a ditadura militar, contribuíram na tentativa de esconder das novas gerações o conteúdo literário e a ousadia da criação musical de nossos artistas inventivos. Com já disse tive o privilégio de assistir e ouvir a muitos programas de música brasileira na tv no rádio na rua, entre as décadas de 60 e 70 e isso contribuiu significativamente para a trajetória que estou percorrendo, mesmo vivendo na margem extrema no leste do Tietê. Gostaria muito que a juventude tivesse a oportunidade de conhecer a música brasileira e suas vertentes, acredito que isso faria um bem danado para essa molecada que tá chegando agora. Portanto estamos muito bem de produção musical, falta meios de escoamento de toda criatividade dos artistas brasileiros. Um exemplo da falta de meios de comunicação paras difusão da música popular é não ter uma emissora de radio ou tv na zona leste onde vive boa parte da população de São Paulo.

9) Quais seus próximos passos dentro da música ?

Agora estou envolvido no lançamento do Jataí o novo álbum, que esta sendo esperado para começo de agosto. Quero muito cair na estrada com esse trabalho, cantando, ouvindo, difundindo e me abastecendo de novas idéias. Vou continuar fazendo algumas atividades que são preponderantes e salutares para mim, como a direção musical da “Missa Afro” e o Work Shop que mostra a importância do negro na música mundial, juntamente com a UNEI. Em termos de produção musical pretendo gravar um álbum só de parcerias, interpretadas por artistas de estilos diversos e quem sabe num outro álbum interpretar canções de autores que me fizeram a cabeça e o coração. Também existe a possibildade da realização de um filme sobre a obra que venho desenvolvendo há mais de 30 anos, seria uma espécie de documentário-ficção, que teria seu argumento contado por mim a partir do bairro de São Miguel onde está a essência da minha criação, desde os personagens que vagueiam pelas minhas músicas aos mestres que me influenciaram e me ensinaram a entender o que represento hoje.

10) Deixe um recado final para o seu grande público espalhado pelo país a fora ?

Para as pessoas que se interessam pelo trabalho que venho desenvolvendo, queria dizer que sou muito grato por essa oportunidade de poder me expressar com liberdade e obter respostas significativas. É muito importante e motivador para continuar nesse caminho o incentivo do público, você perceber no show as pessoas cantando as músicas, mostrando identificação com suas idéias, são momentos que se tornam alimentos nutritivos para a alma. Para os que puderem e estiverem mais perto apareçam nos shows que faremos para lançar o novo cd no segundo semestre. Para aqueles que estão mais distantes que se comuniquem quando sentirem vontade e que continuem me dando esse privilégio de ser ouvido por vocês. Desejo saúde, alegria coragem, ousadia e paz pra todos. E pra terminar uma frase que tem na música de abertura do novo álbum Jataí- “ Se tem confiança não há violência”

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