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O perigo do uso das metáforas na música


Repercussão negativa de 2 canções do cenário independente mostra o cuidado que deve-se ter na construção de letras

(14/11/2014)

A música brasileira, a cada dia que passa, vem ultrapassando as barreiras da polêmica. Com a liberdade de expressão consolidada e a gana para estourar depressa nesse mercado concorrido, artistas da nova safra acabam extrapolando da sátira e indo muito além. Dois exemplos disso aconteceram nesses últimos meses e me chamaram a atenção.  O primeiro caso veio do Rio Grande do Norte, onde um artista local causou grande alvoroço nas redes sociais através de sua composição que, supostamente, continha trechos racistas e machistas. A música "Ma Nêga", do cantor Artur Soares, traz versos que citam as palavras "senzala" e "pretinha", principais alvos das críticas. O trecho mais citado nas redes sociais é o que diz "nêga, você vai gostar. Nêga, eu vou te prender na senzala iorubá e o que eu ensinar você vai ter que aprender, porque eu vou te maltratar, pretinha". Outros versos como "trago uma coca-cola pra você pra combinar com sua cor, pretinha" também geraram repercussão negativa devido aos indícios da música remeter a episódios tristes da história, "como a escravidão e a violência sexual a que eram submetidas as escravas mulheres.

O segundo caso veio através do cantor baiano Demétrius Sena, natural do município de Ilhéus, no sul do estado, e que atualmente mora em Berna, na Suíça. Numa das faixas de seu novo CD, o artista traz a tona uma música que faz alusão ao terrível vírus Ebola, que já matou mais de 4,5 mil pessoas no mundo, segundo a OMS. O hit traz no refrão o trecho "ebola, ebola, tentando me matar. Ebola, ebola, vai te contaminar. Ebola, ebola, que miséra é essa, comendo sua mente, sai da frente 'tô' com pressa".

Os artistas se defendem e negam que estejam pegando carona nas polêmicas para virarem ´´destaques``. No caso do cantor potiguar ele jura de pé junto que que a composição não teve a intenção de ser racista e explica que a música é uma homenagem à mulher negra. Sobre "senzala", "pretinha" e "maltratar", ele explica que foi influenciado pelo compositor Ataulfo Alves, quando escreveu "Mulata Assanhada". E citou um trecho da canção: "Ai, meu Deus, que bom seria/Se voltasse a escravidão/Eu pegava a escurinha/E prendia no meu coração!.../E depois a pretoria/Resolvia a questão!". Já o baiano de Ilhéus garante que ao contrário do que muita gente pensa, a música foi criada para fazer crítica à ostentação, pedofilia e futilidade. Ele diz que fez a letra, pois se incomoda com as pessoas que só têm essas coisas na cabeça e, com isso, teve a idéia de compará-las ao vírus que estava chegando no Brasil.

Realmente devemos tomar muito cuidado quando se coloca um trabalho no mercado. Na maioria das vezes você pode ter pensado uma coisa, mas do outro lado existem ouvintes, telespectadores e toda uma crítica especializada que tem outro tipo de interpretação. Sei que o artista pensa inicialmente em expor sua arte, falar um pouco o que acha, usar a ironia, mas o tiro pode sair pela culatra. Essas metáforas podem destruir uma carreira de quem está apenas começando, pois o entendimento é de cada um e o uso constante de termos pejorativos levam ao exagero numa canção.

Você que está iniciando agora nessa carreira lembre-se que o cantar ou escutar uma canção é um meio capaz de desencadear fortes efeitos emocionais numa pessoa. Tristeza, alegria, nostalgia, raiva, etc. Por isso, dentre tantas manifestações artísticas, a música é uma das mais fortes influências culturais. Todavia devemos deixar de fora, ao construir uma canção, elementos que podem transmistir objeto de preconceito com quem está ouvindo. Denegrir o corpo da mulher, endeusar o racismo, a homofobia, por exemplo, devem ser totalmente descartados nesse momento. Preste atenção: no mundo de hoje a sociedade está cada vez mais rígida e participativa. Não queira ´´entrar num ônibus e já sentar na janela``. Humildade, experiência e senso crítico conta muito nessa hora. Caso contrário, sua oportunidade vai para o ralo.


Marcus Vinicius Jacobson

Jornalista e diretor do MVHP - Portal de Cifras
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