ENTREVISTA ESPECIAL : Zeca Baleiro

´´O mundo é dos vira-latas``

Polêmico e irreverente, Zeca Baleiro mostra, através da música, a cara do Brasil


Zeca chegou de mansinho e já conquistou uma grande parte do público

Zeca Baleiro é mesmo a cara deste País. A variedade de ritmos e gêneros musicais envolvidos em suas produções o tornam como um dos cantores que sabem valorizar a terra onde vive. Suas canções vão do simples ao rock pesado, passando pelo samba, embolada, balada, baião, reggae, pagode, blues etc. Baleiro não costuma dar rótulos ao tipo de música que toca. Para ele, o universo musical brasileiro é muito mais abrangente do que isso.

Zeca Baleiro foi batizado com nome de santo, José de Ribamar, como paga de promessa. Ganhou o apelido de Baleiro ainda na faculdade, quando, entre uma aula e outra, saboreava suas balas e doces. Não gostava muito desse nome, até que abriu uma loja de balas, tortas e doces caseiros, a Fazdocinhá - nome tirado de uma tradicional cantiga de roda, e o assumiu definitivamente.

O cantor começou sua trajetória musical em 1991 tocando e cantando em barzinhos, como no já extinto "Porquoi pas", no bairro da Pompéia, em São Paulo. Recém-chegado do Maranhão, Baleiro "se virava" trabalhando como assistente de produção e compositor de trilhas para teatro e fazendo produção para sua amiga Rita Ribeiro. Ele diz que São Paulo tem uma certa vantagem sobre o Rio de Janeiro por oferecer um "circuito mais alternativo" em termos musicais. Seu processo de criação "depende do estado de espírito", mas Baleiro acredita muito pouco em "inspiração".

Maranhense, começou a se projetar nacionalmente quando apareceu no especial que a MTV fez de Gal Costa. Em 1997, seu primeiro disco "Por Onde Andará Stephen Fry?" chamou a atenção da crítica, que passou a defini-lo como "neotropicalista". No ano seguinte ganhou dois prêmios Sharp: melhor disco e melhor música "Bandeira", ambos na categoria pop-rock. Em 1999 se apresentou na França, para o lançamento de seu disco na Europa. O segundo CD, "Vô Imbolá", conta com participações especiais de Zeca Pagodinho, Zé Ramalho, Rita Ribeiro e outros, trazendo um repertório que mistura música brasileira folclórica, samba e ritmos eletrônicos. Lançou o álbum "Líricas" em 2000, que privilegiava baladas, muitas vezes tristes.

Atualmente o maranhense está em divulgação de seu quarto disco, que vem recheado de participações. Elba Ramalho dá o ar da graça na faixa "Drumembêis" - que também tem Karnak e os paraibanos do Totonho e os Cabra; Vange Milliet, Antonio Vieira (de "Cocada") e o ex-mutante Arnaldo Batista também estão no disco, que tem ainda o "soulman" Carlos Dafé e os rappers do Z´África Brasil. No disco, Zeca Baleiro divide algumas faixas com compositores veteranos com Capinan e Sérgio Natureza e "novatos" como a carioca Mathilda Kóvak. Da "velha guarda", o disco traz "Filho da véia", de Luís Américo e Braguinha. Enquanto o anterior "Líricas" primou pela poesia e pelas cordas, "PetShop" volta à essência de Zeca, de misturar todos os gêneros, samba-enredo, rap, reggae, bumba-meu-boi... Mais irônico que de costume, ele insulta a todos, fala mal das meninas do Jardins (bairro nobre de São Paulo) e se diz "hippie" e não "hype".

Com sua bela e característica voz e sua incrível mistura de sons, Baleiro nos concedeu uma entrevista bem descontraída e aberta, na qual revela fatos engraçados de sua carreira e todos os planos que estão por vir. Isso tudo aliado ao seu jeito polêmico e irônico de tratar os fatos. Confira !

Site: http://www.zecabaleiro.com.br

Marcus Vinicius Jacobson

Reportagem

Entrevista publicada no dia 18/02/2003

1) Depois de quatro CDs, qual avaliação que você pode fazer pra nós sobre sua carreira?

É difícil eu mesmo fazer uma avaliação da minha carreira sem parecer cabotino, pois gosto muito da forma como minha carreira vem se desenvolvendo, sem maiores ansiedades, e numa progressão natural. Tenho feito discos de que gosto bastante, não sofro terríveis pressões do mercado, tenho razoável independência, impus meu modo de fazer as coisas, criei meus métodos, tenho hoje um público cativo e, como diria Jorge Benjor, "meus camaradinhas me respeitam". Pois é.

Zeca comentando sobre seu tipo de som

2) Fale um pouco pra gente sobre esse seu último CD, intitulado Petshop mundo Cão.

É um disco de canções com estofo eletrônico, muita informação, um disco barroco, caótico, que mistura a festa sonora dos beats com uma certa reflexão sobre o mundo contemporâneo no texto poético. Tudo com humor, com graça, e por vezes (por que não?) com deboche.

3) Como você lida com os preconceitos que a mídia tem com o som regional ? Você encontrou dificuldades para a divulgação de seu trabalho?

Meu som nunca foi identificado como apenas regional, pois sempre houve uma aspiração pop na minha música. Dificuldades eu encontrei, claro, mas não por isso exatamente. Aliás, o fato de ter elementos de culturas regionais na produção musical de hoje se tornou um trunfo, um dado a favor.

4) Zeca, você chegou ao sucesso com seus próprios esforços e sem ter sido apadrinhado por ninguém. Como é essa sensação?

Com meus próprios esforços sim, mas tive muitas colaborações pelo caminho, algumas essenciais. A gratidão é uma virtude, já deve ter falado algum sábio, e eu sou muito grato à Rossana Decelso, minha amiga e empresária, que está comigo desde o tempo das vacas mortas, ao Mazzola, criador do selo MZA, pelo qual até hoje gravo e lanço meus discos, e a muita gente mais, Chico César e Rita Ribeiro, comparsas do início em São Paulo, à Gal Costa, etc etc etc. Me sinto um guerreiro, mas ninguém vence um exército só. Sozinho sozinho não dá pé.

5) Mata uma curiosidade pra gente. É verdade que a primeira vez que subiu em um palco para fazer um show, você estava completamente bêbado? Conte melhor isso.

Eu era um moleque de 19 anos de idade, inseguro pra cacete, nunca havia subido num palco. Classifiquei um samba de breque quilométrico pra um festival lá em São Luís do Maranhão. Era o Festival Viva, apresentado num ginásio pra mais de 5 mil pessoas, personalidades no júri, um acontecimento. No meu dia, acho que o Belchior era um dos jurados. Tentei achar alguém pra cantar, mas todo mundo achava difícil decorar aquela letra de quatro laudas. Então sobrou pra mim, tive que ir defender a música. Pra encorajar, enchi a lata, cantei, fomos aplaudidos, elogiados e tudo, mas eu não lembro de nada.

O cantor dando uma canja durante um programa

6) Como você vê o nível dos artistas que estão surgindo? Há alguém que você admire?

Gosto muito de Totonho e os Cabra, banda meio paraibana meio carioca, que faz uma mistura muito bem resolvida de eletrônico e rock com regional. Mas tem gente boa surgindo a todo instante.

7) Como você define seu som? Tá mais pra MPB ou Regional ? Ou acredita que rótulo é algo desprezível?

Rótulo é um mal necessário. A indústria e a imprensa precisam dele, é óbvio, mas o artista não. A partir do momento em que você aceita um rótulo, você vira escravo dele, e o maior bem de um criador é a sua independência, sua liberdade. E se amanhã eu quiser fazer um disco de samba, quem vai me impedir, ou um disco de hardcore?... Nada me proíbe de transitar por praias diversas, vários gêneros, etc. Não há limites ou freios para a criação. Tenho tentado mostrar isso com meus discos esquizofrênicos.

8) Quais os próximos projetos que você tem em mente para o ano 2003 na música?

Um cd em parceria com a escritora Hilda Hilst, com a participação de dez cantoras, entre elas Zélia Duncan, Ná Ozzetti, Verônica Sabino e Olívia Byington. Tenho um cd infantil na agulha, e tenho conversado com o Fagner sobre a possibilidade de fazermos um cd com nossas parcerias inéditas ainda este ano.

Zeca dando seu recado final

9) Como se sente tendo sua música Lenha sendo regravada por outros artistas e praticamente tendo virado um hit nacional?

É bom, o destino das canções é esse mesmo, a banalização. Quero ver o porteiro do prédio assoviando minha música.

10) Deixe uma mensagem final para todo o público que te acompanha desde longa data e para os mais recentes.

Pode não parecer, mas o mundo é dos vira-latas.

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